... mas importante é cuidar das pessoas!

Como podemos mudar o mundo se nos calamos diante das incoerências?
Recentemente estive em um evento sobre Inovação. Como gosto de gente, onde tem gente lá vou eu! Um dia de chuva e frio em Porto Alegre. Lembro-me de quando o despertador tocou ainda era noite e a vontade de mais 15 minutos só não me venceu porque tinha convidado uma amiga que se empolgara com a ideia de irmos juntas. Assim, pulei da cama com a sensação de que não dormira o suficiente. Olhei a previsão do tempo, era de chuva e temperaturas amenas, ... doce ilusão.
O dia apenas começava e prometia, afinal seria um dia inteiro onde 18 pessoas subiram ao palco para passar suas experiências em formato de talks, mesas redondas, transmissão via internet da China e diretamente do Vale do Silício. Uau! Não é mesmo?
Em todas as falas, sem exceção eu ouvi: “ ... mas o importante é cuidar das pessoas”.
Você pode estar se perguntando: “mas você não disse que era um evento de inovação? Que inovação é essa “cuidar das pessoas”? Um App novo? Uma tecnologia da Nasa? Do Vale (do Silício)? Tire as conclusões que achar interessante ao final desse artigo, se te serve ótimo caso contrario descarte-as.
Chegamos cedo, talvez cedo demais? As Recepcionistas nem tinham desencaixotado os crachás. Pelo deserto da ante-sala e da sala do evento pensei: “tem algo errado”. Peguei meu celular, conferi o horário no evento do Facebook, estava escrito 8 horas. Faltavam 5 minutos para as 8 horas e éramos exatamente cinco pessoas dos quase 200 inscritos, ... mas o importante é cuidar das pessoas.
Olhei o verso do crachá que acabara de receber e lá estava escrito: 08:15 – 08:45 Credenciamento, 08:45 – 9:00 Boas Vindas da Diretoria. Minha amiga e eu nos entreolhamos como quem diz: afinal dava tempo dos 15 minutos a mais, ... mas o importante é cuidar das pessoas.
Dirigimo-nos ao salão, sentamos e ficamos de papo. O ar condicionado ligado como se fosse verão. Um frio de congelar os ossos. Pedimos as recepcionistas se podiam alterar a temperatura do ar e a resposta foi: “Já vai aquecer quando os outros chegarem”, ... mas o importante é cuidar das pessoas.
As 09:00, já com 15 minutos de atraso o “mestre de cerimônias” sobe ao palco para dizer que como chovia muito lá fora o transito se complicara e que 10 minutos de tolerância seria dado aos que ainda não haviam chegado, sendo que o primeiro palestrante estava sentado na primeira fila, bem na minha frente. Pensei: “é exatamente por isso que as pessoas não chegam na hora, elas sabem que ninguém começa sem um quorum mínimo, ... e assim vamos institucionalizando o atraso, tratando com desconsideração e desrespeito quem chegou na hora”, ... mas o importante é cuidar das pessoas.
Com um atraso de 35 minutos o Representante que daria as boas vindas sobe ao palco, agradece a presença de todos e da à palavra ao primeiro palestrante que tinha 40 minutos para a sua fala. Ele falou os 40 minutos e ainda abriu para perguntas que vieram da platéia, tomando o tempo do próximo palestrante, ... mas o importante é cuidar das pessoas.
O Coffee Break foi servido com 45 minutos de atraso, ... mas o importante é cuidar das pessoas.
Duas mesas com os comes e bebes cada uma com não mais de dois metros de extensão em um canto ao fundo do salão onde acontecia o evento. Imagine pouco menos de 200 pessoas tentando chegar aos copos, guardanapos e viveres, ... mas o importante é cuidar das pessoas.
Após o almoço o atropelo foi total. A manha tivera seus percalços, mas puxa daqui, empurra dali todos falaram, sendo que uns mais do que outros, ... mas o importante é cuidar das pessoas.
Dos 18 speaker, 11 falariam na parte da tarde e cada um teria 20 minutos. O que você acha que aconteceu? ... O que? ... 20 viraram 30 minutos e ao final teve os que passado dos 30 minutos emendavam: “mas agora para terminar”, ... mas o importante é cuidar das pessoas.
Houve uma inversão na ordem do programa que estava escrito no verso do crachá e eu vi a perplexidade no rosto do palestrante que viu a fila furada a sua frente, ... mas o importante é cuidar das pessoas.
Qual o atraso do término? Não sei, fui embora antes de acabar com saudades dos teatros londrinos que fecham suas portas de acesso quando o show começa. É senso comum que os atrasados são intoleráveis, retrato de descaso, desconsideração, desrespeito.
Tente se atrasar uma só vez e você entende a lição, pois fica do lado de fora até o intervalo e se a peça não tem intervalo, ... sorry, você compra outro bilhete para outro dia se quiser ver aquele espetáculo, ... POIS o importante é cuidar das pessoas.
P.S. Cuidar das pessoas não é ciência da Nasa, não carece de tecnologia, carece de coerência entre o discurso e a prática, ... simples assim.