É Harryxit

Quando Harry e Meghan anunciaram sua decisão de procurar carreiras financeiramente independentes da família real, as redes sociais caíram em cima de... Meghan Em setembro de 1936, o choque: jornais britânicos e franceses estampam em suas capas fotos do cruzeiro romântico do rei Eduardo VIII com a americana Wallis Simpson no Mediterrâneo. Começou, assim, o primeiro show midiático da realeza: fotógrafos perseguem Wallis em seu cabeleireiro, jornalistas são destacados para ir à China descobrir os “podres” da mulher, membros da Igreja Anglicana — que proibia o divórcio real — denunciam o “absurdo” desse romance. Wallis não apenas é divorciada, como divorciada duas vezes!
O rei quer desposar sua amada a todo custo; sua família, o parlamento, o ministério, todos se opõem. Ele bate o pé e assina o ato de abdicação em dezembro. Seu Seu irmão, pai da futura Elizabeth II, é coroado em seu lugar. Pela primeira vez na Inglaterra, um rei abre mão do direito de reinar. Wallis vira a “mulher mais odiada do mundo”, segundo o “Times”.
No exílio na França, os duques se dedicam a uma existência de festas, jantares e coquetéis. Wallis se torna a grande anfitriã de Paris. Na falta de ser uma rainha na Inglaterra, ela se converte na rainha do jet-set. Ícone da moda, ela não cai na facilidade dos ditames das tendências; só usa modelos eternos, sapatos não muitos altos e joias deslumbrantes — depois de sua morte, o leilão das peças arrecadou 300 milhões de francos suíços doados para a caridade. Em suas memórias, de 1947, o ex-rei escreveu: “Não lamento nada e, se tivesse que escolher de novo, tomaria o mesmo caminho, o do amor e da liberdade”.
Em entrevistas, Wallis contou que não apenas não exigiu que o rei abdicasse do trono para se casar com ela como tentou dissuadi-lo até o último minuto. Era o início da segunda onda do feminismo, mas ninguém se lembrou de ouvir sua versão. A culpa, para variar, é sempre da mulher. Aos homens, as glórias do acerto; a elas, a responsabilidade pelos supostos erros do casal.
O mundo parece não ter mudado. Quando Harry e Meghan anunciaram, na semana passada, sua decisão de procurar carreiras financeiramente independentes da família real e encontrar meios de lidar com a mídia que protejam sua privacidade, as redes sociais caíram em cima de... Meghan. “Essa mulher separou Harry do irmão”. “Tudo culpa dela”. “Nem a família gosta dela”. O anúncio virou o “Meghxit”, não um Harryxit.
Ninguém cogitou que o príncipe, um homem de 35 anos, talvez tenha passado a vida elaborando um plano de saída do sistema ao qual atribui a morte da mãe, Lady Di. E que, hoje, casado, pai e longe do trono — é o sexto na linha sucessória — se sinta mais à vontade em tentar voo solo. Que bom que ele achou uma companheira que o apoie. Só uma coisa eles precisam combinar: não dá para ser independente e continuar a receber mesada do contribuinte. Aparentemente, Harry não deu à avó e ao pai o tempo hábil de encontrarem uma saída, uma satisfação ao público e ao Erário. Geração millennial de carteirinha, ele teve pressa em dar seu lacre na internet — o que não combina com uma instituição milenar.
Não resta a Elizabeth outra saída senão um Harryxit de verdade, não meia-boca. Na recente eleição de Boris Johnson, os britânicos mostraram que é assim que o jogo deve ser jogado. O casal sempre fará parte da família, e ainda o veremos acenar na sacada de Buckingham nos eventos festivos. Oportunidades não lhe faltarão, como um contrato milionário para produzir séries, a exemplo dos Obamas.
Em sua breve passagem pelo epicentro deste furacão, Meghan já fez um bem enorme: colocar na foto de família uma sogra negra, divorciada, instrutora de ioga, assistente social e que conquistou a todos nós com sua dignidade, sentada sozinha, naquela igreja milenar. Uma injeção de real no mundo dos reais. Meghan é a Wallis 5G. Parem de odiar as mulheres.
Texto de autoria de Bruno Astuto publicado em: https://oglobo.globo.com/ela/bruno-astuto-harryxit-24180712